Diário transbordo: O halterofiteles

Vejam só! Continuo a me surpreender com os animais!

Sou um exemplar amante deles e adoro cachorros, particularmente. Tenho em casa duas poodles que me fazem rir mesmo quando não deveria, e uma delas, Tulipa, é minha principal companhia para todas as horas. Acompanhamos um ao outro desde que ela nasceu, pequena, mirrada e desmerecida. Mas eis que foi a única a sobreviver, e se revelou a mais espevitada filhote de poodle que uma filhote de poodle pode ser. Nada a prendia quando era pequena, qualquer coisa que encontrasse pelo caminho servia para ser destroçada e estraçalhada, não havia carinho suficiente que a mantivesse nos braços de alguém e uma simples batida de mãos era o bastante para fazer festa. Até presidiária fugitiva ela já bancou, escavando uma parede para tentar fugir pelo outro lado.

Após seus primeiros meses de vida, teve uma curta e triste trajetória nas mãos de outros donos, que por bem terminou quando ela voltou para o meu lado. Mesmo distante por seis meses, me reconheceu de imediato ao me ver (ou farejar) de longe. E desde então tudo seguiu na mais perfeita harmonia. Sempre esbelta e intrometida, continuava fuçando o que não devia e encarando cães na rua até cinco vezes maiores que ela, e botava todos pra correr. Sua fome era inigualável, assim como seu companherismo. Se eu fosse apenas ao banheiro, fazia questão de me esperar na porta, de plantão, mesmo que passasse uma hora ali. Calada, me viu atravessar diversos momentos, sem nunca reclamar. Já foi chamada de Pitula, Tiamat e os mais variados nomes que ser humano possa criar. Mas dia desses me deu um baita susto!

Durante três dias, mal se alimentou, e ficava meio cabisbaixa pelos cantos da casa. Felizmente, nosso amável veterinário foi capaz de me atender às nove horas da noite por telefone sem sequer reclamar e me prescreveu os remédios para combater uma doença causada pelo carrapato capaz de matar em poucos dias. Esforço vai, esforço vem, Tulipa começou a tomar as medicações, não sem reclamar um pouco. Entre recusas e vômitos, começou a aparentar uma melhora, até que o quadro mudou novamente. Adquiriu, de uma hora para outra uma agressividade incomum, mesmo comigo. Avançava contra a outra poodle e chegou até a morder minha irmã. Pensamos logo na possibilidade de ter contraído raiva. Até que nos damos conta de que ela não largava um mordedor laranja em forma de haltere e o protegia incessantemente. Novamente, ligamos para o veterinário, e logo ele aplacou minhas angústias ao revelar que todo o estranho comportamento de Tulipa era reflexo do que podia se chamar de gravidez psicológica. Minha cadelinha havia parido um brinquedo de borracha e agora o tratava como um filhote a quem devia proteger e zelar. Daí seu territorialismo, seu enjôo com a comida e suas neuroses habituais ampliadas por mil.

Dá pra acreditar nisso! E como se não bastasse, lá em casa não são só os cães que recebem vários nomes. Seus brinquedos também! O agora filhote de Tulipa é conhecido por iceberg e halterofitéles, além do seu nome mais comum, é claro!

Virei avô de uma adóravel brinquedo de borracha mudo e que não se move, e todas as atenções já não são minhas. O que posso fazer?