Uma Curta Narrativa Sobre o Show de Titãs e Paralamas Juntos e Ao Vivo
Aqui estou, rouco de tanto gritar e maluco de tanto pular, mas faço esse esforço para contar a trajetória desse espetáculo, pois as duas bandas merecem, e eu também. Pois bem, vamos lá:
Às vinte e uma horas os portões da casa de shows se abriram. Não estavámos lá, minha namorada e eu. Ainda nos aprontavámos em casa. Mas não tardou e meia hora após a abertura, nós chegamos. Tudo calmo, tudo tranquilo. As pessoas parecem saber que grandes eventos começam tarde mesmo. Mas as impressões iniciais não foram muito boas.
Logo de cara, tivemos que encarar uma área VIP que nos distanciava do palco pelo menos uns vinte metros, e percebemos que teríamos entre nós e o show aquele povo feio, gordo e metido: os VIPS. Ponto negativo para o Chevrolet Hall que mandou muito mal com essa maldita diferenciação. Porra! Pra que existem os camarotes, então?
Três reais vem e três reais vão em garrafas d'água, outro ponto baixo: uma surpresa desnecessária e frustrada com uma banda de abertura, Nós 4. Quase duas horas de enrolação com aquelas musiquinhas chinfrim de uma MPB já tão gasta. E o que dizer da voz da cantora? Se eu não estivesse olhando, podia jurar ouvir um garoto no auge dos seus doze anos a cantar. Mal, muito mal de novo, Chevrolet Hall!
Mas eis que, à meia-noite, as luzes se apagam. Todos os presentes demonstram-se fãs completos e incondicionais, pois os gritos se elevam de forma cativante. E quando os veteranos do rock entram no palco trazendo Diversão, quase não é possível ouvi-los graças às pessoas contagiadas do público. E não lhes tiro a razão. São 27 anos de estrada resumidos em algumas poucas horas numa noite única. Hits mais do que conhecidos e reverenciados adentrando em seus ouvidos na máxima potência. E eu estava lá para testemunhar a tudo.
Em seguida, acompanhamos a revolta de O Calibre seguido de Marvin. E quando as batidas retumbantes de Selvagem e Polícia entram em cena, há uma exaustão pulmonar em potencial. Nesse instante, minha namorada me diz apontando para o palco "Eu gosto daquele de chapéu!". E eu explico "É Sérgio Britto, meu amor. O nome dele é Sérgio Britto." Mas o nome vem ao caso? Mesmo que fossem todos inomes de uma banda inome, ainda assim seria perfeito! E justamente por serem o que são, trazem surpresas agradáveis para um espetáculo que, mesmo no início, já era único. Titãs deixa o palco para os Paralamas, que com cores quentes da iluminação, abordam todo o 'latinismo' presente na banda, e rebentam canções que não constam no álbum, mas que nem por isso deixam de ser especiais. Com Vital e Sua Moto, a banda remonta tempos idos quando nem eu mesmo era nascido. Logo depois executam A Lhe Esperar do novo disco que mal foi lançado, estabelecendo uma ponte em sua carreira. E quando o palco se ilumina de um azul profundo, mergulhamos na insuperável Lanterna dos Afogados, e todos cantam em uníssono. E as duas bandas se reencontram.
Num ar meio intimista que só poderia acontecer porque no palco estão grandes amigos de longa data, eles nos trazem A Novidade, que mais parecia um hino dentro daquele lugar no meio da noite. Todos sentados numa bancada, lado a lado. E até Bi Ribeiro esboçou alguns sorrisos. Bonito de se ver. Então o silêncio se faz para que possamos ouvir as palavras de Herbert Vianna, e numa ocasião rara, ele nos diz que "só nesse canto do Brasil mesmo, do mundo, pra sentirmos uma energia tão bacana, tão diferente. Energia essa que as regiões do sul, sudeste e centro-oeste ainda precisam aprender a ter." Quem diria? Nós, no nosso cantinho que aponta para o mar, somos sempre tão desprezados por artistas do resto do Brasil e de repente testemunhamos a verdade dita pela boca de alguém que vem de fora... Só podiam ser eles, que ainda nos brindam com Tony Bellotto e Herbert solando alternadamente suas guitarras.
Mais um bom tempo tocando juntos, entoando Alagados aliado às lembranças de uma Sociedade Alternativa de Raul Seixas, é a vez dos Paralamas abrirem espaço para Titãs. As cores do palco assumem um tom mais pesado, mais dark, pois vem aí as músicas do âmago do rock brasileiro, em suas batidas pesadas e guitarras estridentes. Mas somos surpreendidos por Epitáfio, até sermos arremessados, enfim, ao rock virginal. Revelando-se também fãs de Rauzito, encaramos Aluga-se. E logo, eles escancaram todas as possibilidades de suas vozes e instrumentos ao compor Aa Uu e Bichos Escrotos. Ainda bem que, ao contrário dessas apresentações ralé de bandas de brega-pagode-axé e afins, não tivemos que encarar nenhum bicho escroto durante todo o percurso. O público presente era dos mais civilizados. Com Cabeça Dinossauro, presenciamos dois dos maiores bateristas vivos, João Barone e Charles Gavin, solarem para seus fãs alucinados.
As duas bandas se encontram novamente, e somos apresentados a todos os integrantes, um a um, para vê-los executar A Melhor Banda de Todos Os Tempos da Última Semana. Depois vem Comida, Sonífera Ilha, Ska, Óculos (que Paulo Miklos e Herbert cantam juntos, como bons amigos, apenas curtindo o momento) e tantas outras canções que só nos fazem querer mais e mais. Mas as duas bandas se despedem, reverenciando sua platéia, e surge o clímax de seu retorno. As luzes do palco semi-mortas, as cortinas que não fecham, sombras cruzando aquela escuridão de lá para cá... Tudo indica o possível retorno. E é claro que eles voltam.
Num final apoteótico, cantamos aos berros Meu Erro e Flores, e ficamos tristes quando percebemos que chega o fim derradeiro. Cada um parte para uma das saídas do palco, postergando nosso lamento, e por último, Charles Gavin, jogando sua toalha para o público. Mas, sem arrependimentos, pois passamos por uma experiência única nas mais de duas horas de apresentação de um digno show de rock n' roll.
No retorno do show, ainda no táxi, minha namorada decide cantarolar parte da letra de Aluga-se e diz "Nós não vamos pagar nada, nós não vamos pagar nada." Só depois nos demos conta do que o coitado do taxista deveria estar pensando. Na certa, achou que iríamos dar o calote.
Bem, agora que chego ao fim dessa experiência emocionante, e dessa postagem também, só me lembro do que meus colegas de trabalho me diziam durante a semana. Repetiam coisas sobre "o show dos velhotes" e se "os velhos iriam sobreviver ao show". Agora que tudo passou, só posso dizer que meus velhinhos deram um espetáculo grandioso capaz de pôr no chão qualquer uma dessas míseras bandinhas que eles escutam diariamente.
Só resta ter pena daqueles que não puderam testemunhar esse encontro histórico de duas das melhores bandas do rock nacional, senão mundial, visto que já correram a França, a Argentina e outros vários países. Paralamas e Titãs, vocês mandaram muito bem. Vocês são fodas!