Crítica: Lie To Me


Faz pouco tempo que, rodeado por séries já bem sedimentadas, descobri essa pérola televisiva chamada Lie to Me. Antes de muitos detalhes, entenda do que se trata, caro leitor:

Mentira. Nasceu a partir do momento em que o ser humano começou a se comunicar. É a principal distinção entre os homens e os animais. Ao nos expressarmos por sinais, a mentira é muita mais nebulosa que quando nos pronunciamos. E cada vez mais aquilo que tentamos ocultar vem à tona ao nos defrontarmos com o Dr. Cal Lightman - o leitor vivo de micro-expressões humanas, um detector perspicaz de falsidades, o pior pesadelo para os mentirosos.

Com esse resumo deveras deficiente, pode-se entender a aura desse seriado que, na altura de seu season finale da segunda temporada, continua a me surpreender.

Logo de cara somos brindados com a fabulosa cena inicial de seu episódio-piloto que traz Dr. Lightman trocando expressões e frases curtas com um prisioneiro, provável criminoso. O advogado insiste que aquela será uma reunião inútil, pois seu cliente nada dirá. Após mais alguns instantes, Cal já obtem tudo que precisava, apenas observando expressões mínimas fornecidas pelo seu antagonista sem que este percebesse. E surge então a abertura recheada de explicações visuais dos significados de cada minúsculo ato humano, seja o levantar de uma sobrancelha, o franzir de um cenho ou mesmo o cerrar de um punho. Juntamente com esses segundos iniciais, a fantástica canção de Ryan Star, Brand New Day nos carrega para a atmosfera de tudo que iremos presenciar dali para frente. Ela diz:

Sonho, envie-me um sinal
Volte o relógio
Dê-me algum tempo
Eu preciso fugir
E começar tudo de novo
Vamos abrir nossos olhos
Para o novo dia

Desde os primeiros minutos essa suposta série policial carregada de drama, e que obviamente se difere de todos os dramas policiais que surgem na TV devido a sua abordagem diferenciada, até os momentos atuais não perde em nada seu poder. Passa tensão quando necessário, confronta nossa mente para que tentemos observar coisas que só Lightman e sua equipe poderiam ver, alivia com homeopáticas doses de humor e sabe cosntruir uma história que vai sendo trançada com tanto esmero que às vezes nem notamos que ela está ali. Nem preciso citar a trilha sonora, escolhida com brilhantismo. Desde Johnny Cash a Leonard Cohen, passando por Morissey, Pretenders e Aqualung.

Grande ponto forte também são as interpretações e os personagens multifacetados, tridimensionais. O maior de todos, claro, é o veterano Tim Roth que dá vida ao doutor com sua forma inquietante e desafiadora, e seu sotaque britânico afiadíssimo. Temos Kelli Williams interpretando Gillian Foster, o braço-direito de Cal que tenta compreende-lo a cada passo, além de aturar suas mais impossíveis guinadas de rumo e personalidade. Há ainda a dupla Eli Loker, o aprendiz aspirante a mestre que não sabe mentir, e Ria Torres, a única da equipe que não estudou as técnicas de Lightman, mas as têm como habilidades inatas. Os atores são Brendan Hines e Monica Raymund, respectivamente.

E para quem dúvida dos métodos apurados do The Lightman Group, saiba que elas de fato existem, ainda não como ciência, mas são fonte de estudos e surgiram devido o empenho de um homem real chamado Paul Ekman que, há muito, lida com as verdades e mentiras das expressões faciais.

O que mais posso dizer dessa incrível série criada por Samuel Baum? Assistam e tirem suas próprias conclusões, e torçam para que, um dia, possamos lidar com nossa violência da vida real de forma tão sagaz e instantânea como o bom Dr. Cal Lightman.