Prosa e pensamento: Ser pipoca ou piruá


A transformação do milho duro em pipoca macia é simbolo da grande mutação pela qual devem passar os homens e as mulheres a fim de virem a ser o que devem ser. O milho de pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do “estouro”. O milho são os seres humanos a que costumamos nos referir como “adormecidos”, duros, impróprios para servirem de alimento, incapazes de saciar a fome de justiça, amor, compreensão e verdade desta sofrida humanidade.

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa por ele continua a ser milho de pipoca para sempre.

Sim! As grandes transformações ocorrem pelo fogo. E vêm de repente. O fogo, numa analogia, é como a vida quando nos lança em situações inimagináveis. Pode ser o fogo externo: perder um amor, um filho, emprego, bens, cair na pobreza, contrair doença… Pode ser o fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, contrariedades, depressão, conflitos, sensação de injustiça, sofrimentos cujas causas ignoramos.

Aquele que não passa pelo fogo, permanece igual a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosas. Só elas não percebem. Acham que seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Sempre se pode recorrer ao remédio de extinguir o fogo. Sem ele, o sofrimento diminui. E, com isso, a possibilidade da grande transformação.

A pobre pipoca, fechada dentro do recipiente cada vez mais quente, pensa que sua hora chegou. Dentro da sua casca, fechada em si mesma, não é passível de imaginar destino diferente. Não percebe a transformação que está sendo preparada. Não imagina aquilo de que é capaz ou em que está prestes a se transformar…

O milho de pipoca que se recusa a estourar são aquelas pessoas que, por maior que seja o poder da chama, se recusam a mudar. Acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que seu jeito de ser. Sua presunção ou orgulho e seu medo são a dura casca que não estoura. E esse destino é muito triste, pois continuarão rijas a vida toda. Não se transformarão na flor branca e macia. Não poderão trazer nem alimento para alguém!

É preciso passar pelo fogo que, sem aviso prévio, PUM! Produz a grande mutação. E o milho de pipoca aparece como algo a mais: completamente diferente do que ele próprio jamais poderia sonhar. Torna-se um ser que, em essência, é o que de mais puro, belo e verdadeiro transportava em seu âmago.

Restam no fundo do recipiente os “piruás” teimosos: milhos que se recusaram à transformação. Têm alguma utilidade? Que destino lhes está reservado?

(O Amor que Acende a Lua, por Rubem Alves)

E você, o que gostaria de se tornar: pipoca ou piruá?

Na minha humilde opinião, o destino dos piruás é um só: o lixo.